sábado, 17 de outubro de 2009

O calção florido




Era o ano do C. A. Na primeira reunião, a diretora pediu aos pais que deixassem na escola algum auxílio para ocasiões especiais. Uma muda de roupa, uma toalha, uma galocha... Tudo com o nome de cada um pra não confundir. Tudo guardado no armário da parede, organizado pela professora.

- Tia, o Mário derrubou o suco na blusa.

A professora abria o armário, pegava a blusa sobressalente, deixada pela mãe do Mário, e trocava o Mário. A blusa com suco ia para um saco plástico e o bilhete, na caderneta:

“Mamãe,
O Mário hoje derramou suco na blusa do uniforme, por isso está indo embora com a blusa reserva. Ficou tudo bem. Por favor, mande outra blusa para ficar aqui no armário. Emergências acontecem. Um abraço. Tia Luisa.”

Esse rodízio de short, blusa, toalhinha era comum. O armário embutido tomava toda a parede e quando a porta de correr era arrastada, fazendo um barulho rascante no trilho, era um acontecimento.

- Olha! Minha toalha.
- Meu sabonete!
- Minha capa!

Quando a porta era fechada, havia um lamento geral.

Meninos trocavam mais do que meninas. Eram mais estabanados. Ficavam mais suados. Derramavam mais suco. E volta e meia, na correria, uma quina de mesa e uma blusa rasgada: lá ia a troca, lá ia o saco plástico, lá ia o bilhete.

Um dia, bateu o sinal do recreio. As crianças se espremiam na fila.

- De quem é aquela merendeira esquecida na cadeira?
- É do Jorge, ele esquece todo dia!

Jorge estava sentado com o tronco pra baixo da mesa catando alguma coisa. Disse à tia que não queria ir para o refeitório, queria comer a merenda na sala. A professora estranhou. Logo, um espírito de porco denunciou:

- É porque ele fez xixi nas calças, tia.

A servente levou a turma para fora. A professora abriu o armário. A mãe de Jorge tinha deixado um calção de chitão florido, inadequadamente escandaloso: um fundo azul com uma imensa papoula rosa. Elástico na cintura e perninhas bem frouxas, na certa pra ficar bem confortável. A professora não pôde ajudar, não havia no armário outro short que coubesse em Jorge. Nada que fosse mais parecido com o uniforme, nada menos florido. A operação limpeza incluiu um banho.

Na fila da saída, Jorge, de calção florido, era achincalhado pelos cochichos da turma.

- Foi cocô.
- Tá cheirando.
- É short de menina.
- É porque ele é pobre.
- Tá sem meia.
- Tá com sandália.
- É porque escorreu.
-Shhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh. Estão muito agitados. Falando muito. Querem ficar sem recreio, amanhã?

Discreta, a professora entregou à mãe de Jorge uma sacola volumosa: toalha, short, cueca, meia, conga. Na caderneta, o bilhete:

“Mamãe,
Por favor, mande um short reserva mais simples para o Jorge. Pode ser azul ou preto. Tia Luisa.”















4 comentários:

  1. Tadinho do Menino Jorge...As crianças são cruéis! Quem nunca sofreu uma injúria? Um apelido infeliz? Fazer o quê? Rir depois que passa...

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  2. Quem de nós já não viveu na própria pele, ou na de algum coleguinha, histórias como esta do Jorge??? Gostei!

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  3. Adorei essa!
    Salve Jorge!
    Todos passamos por Cristo um dia....

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  4. Adorei!
    Lembrei da minha mãe me obrigando
    a calçar conga. Eu odiava.
    Mas, engraçado, hoje eu bem queria ter um...

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