sexta-feira, 4 de junho de 2010

O Presente de Natal






Os primos eram vizinhos e todos os dias brincavam juntos. Refresco da casa de um, biscoito da casa do outro. Tirando o horário de estudar, as idas aos médicos e os castigos, os três eram um grude o ano todo: a prima e os primos. Nas férias, dormiam e acordavam juntos: Pique Cola, Pique alto, Pique Bandeira e Baleia, Queimado, Amarelinha, Elástico e Bicicleta... E se chovesse, Passa anel, Batalha Naval, Banco Imobiliário, Pega Vareta, acampamento no beliche.



Mas, a prima era mais rica... E implicante. A satisfação maior era mostrar seus presentes, sempre a última novidade da televisão. Bonito, caro, bom. Os primos ganhavam a imitação, que não passava na TV, menos bonita, mais barata e visivelmente inferior.



Mal passava a noite de Natal e lá vinha a prima, no dia vinte e cinco, logo de manhã, com a boneca ou o patins ou o vídeo game ou o walkman ou a máquina de fotografar, ou o relógio a prova d´água... Depois, como quem não quer nada, perguntava:

- E vocês, ganharam o quê?

Uma vez, o primo mais velho, antes do irmão menor abrir a boca, disse misterioso:

- Nosso presente esse ano é secreto. Ninguém pode saber.
- Por quê? – perguntou a prima.
- Porque sim, minha mãe não quer que a gente conte pra não dar confusão.
- Por quê?
- Por que só a gente é que pode brincar. Se as outras crianças souberem, vai fazer uma fila aqui na porta.
- Que mentira! Vocês tão dizendo isso pra eu ficar com inveja.
- Não acredita? Melhor pra gente, né irmão? - disse o menor ainda sem saber a idéia do mais velho.
- Cala a boca pirralho. A conversa é entre os grandes! - disse a prima irritada.
- Pode falar o que quiser, a gente não vai te mostrar.

O golpe tinha dado certo. A prima estava furiosa e com muita inveja daquilo que ela nem sabia o que era. Ela perguntava, eles faziam mistério, ela desdenhava, eles riam.

- Então tá, eu não vou querer brincar com o presente secreto de vocês, não preciso dele. Mas se é verdade por que é que vocês não dizem o que é? Só ficam falando “secreto, secreto”?

O primo, então, revelou em voz baixíssima:

- É que aqui dentro dessa parede do meu quarto tem uma casinha, com tudo que uma casa de verdade tem, tudo, tudo, só que é tudo miniatura, tudo pequenininho. Só eu e meu irmão podemos entrar.
- Ai, que mentira!! Como é que pode ter uma casa dentro da parede. Nem tem espaço! Que mentira! Eu sabia que era mentira. Que idiotice! Quem é que pode entrar dentro de uma parede, nem tem porta!
- Tem sim, tem uma porta secreta que só abre quando a gente quer.
- Mesmo assim não dá pra uma pessoa brincar dentro da parede, mentiroso!
- Quem disse que a gente entra do nosso tamanho? A gente toma uma pílula e fica pequeno. Aí, a gente entra.
- É, e minha mãe não deixa mais ninguém, só pode a gente.
- Mentira garoto, teu nariz vai crescer, o nariz dos dois... Por que é que vocês não entram agora, então, hein? Cadê o remédio pra ficar pequeno?
- Eu só entro quando eu quiser.
- É, isso mesmo. Vai pra sua casa, vai, brincar com a sua boneca...

A mãe dos meninos, que ouvia a conversa se divertindo, foi interrogada pela sobrinha:

- É verdade, tia?!
- Verdade, verdadeira.
- E custou caro. Os olhos da cara! – se meteu o tio para desconserto da invejosa.

Completada a mentira, pai, mãe e filhos ficaram olhando a prima que foi ficando vermelha, respirando alterada, tremendo os lábios e marejando os olhos até sair correndo pra casa com seu presente caro, antes do choro explodir alto.