O Pai tinha estacionado o carro na ruazinha apertada, em frente ao salão de beleza, onde a avó fazia tintura e escova para um casamento. O pequeno ficou dentro do carro brincando com seu boneco articulado. O boneco obedecia às mais estranhas posições em que era colocado. Tinha que vencer uma batalha de morte com inimigos invisíveis, num cenário invisível:
- Barreira invisível! Puff, destruir – o menino fazia a voz do boneco, enfiando a cabeça do coitado no vidro da janela.
Aproveitou o cenário da rua para que o boneco visse o mundo do alto e finalizasse sua missão de resgate:
- Sim, comando, vejo as pessoas! Atenção poderes! Preparar...tchufff..
Do lado de fora, alguém entre o meio fio e o carro atrapalhava a visão do herói:
- Ei, assim não vale....
A visão do herói foi interrompida por um verde garrafa grudado no vidro lateral do carro. Aos poucos, o verde foi se afastando para dar lugar a uma espécie de quadrinhos, um do lado do outro. O menino interrompeu a batalha do boneco. Riu, olhou mais uma vez, gargalhou:
- Mulher pelada a hahahahahahah... Pelada com peito de fora... peladinha, com a bunda toda de fora... Que peitão a hahahahaha...
O menino ria gostosamente das coisas que não sabia bem, coisas de gente grande... de pai e mãe... que dormem no quarto de luzinha apagada... O verde garrafa do uniforme do jornaleiro mais uma vez vinha impedir a visão.
- Ei sai, eu quero ver. Eu nunca vi...
Saiu para logo depois voltar com um gancho num cabo de vassoura colhendo as revistas lá de cima.
- Ei! Vai tirar? Logo hoje que eu to aqui, isso não vale!
O menino olhou para o outro lado da rua, o pai ainda não estava vindo, tinha tempo. Grudou a cara no vidro e, olhando bem forte as revistas que iam passando pelo lado de fora, dizia em voz alta como quem quer parar o tempo:
- Mulher pelada, mulher pelada, mulher pelada, peito, peito, peito, peito, bunda, bunda, bunda, bunda...
Descobertas, a infancia é cheia delas!
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