domingo, 15 de novembro de 2009

O Disfarce






Quando voltou do cabeleireiro com a franja cortada, tomou um banho, colocou uma roupa nova e foi até a casa da vizinha da frente se apresentar. Bateu palmas em frente ao portão e chamou:


- Moça! Moça!

A vizinha com quem brincava todos os dias gritou de dentro:

- Entra!

Mas a menina com a franja cortada continuou na calçada, bateu palmas mais uma vez:

- Moça! Moça!

A amiga apareceu na janela:

- Entra. Não ouviu?

- Por favor, eu me mudei ontem de noite para esse rua e ainda não conheço ninguém, você querer ser minha amiga? Eu vim de outro país. Meu nome é Mary e o sua? Você sempre mora aqui?

A amiga não entendeu:

- Mary?!!!! De que é que você tá brincando?

- Não tô brincando! Você não me conhece, eu mudei ontem de noite, ninguém viu! Ver!

A amiga escorregou no sofá, sumindo na janela:

- Se quiser brincar, tô aqui no ventilador. Aí fora tá muito quente, minha mãe disse que faz mal, da dor de cabeça.

- Ok...

O disfarce não foi suficiente, uma decepção. Maria, a menina com a franja nova, esperava ganhar uma nova personalidade, esperava poder inventar um novo passado... Mas, a amiga nem sequer reparou no seu cabelo cortado. Sem saber o que fazer, Maria esperou um pouco do lado de fora. Com vergonha, voltou para casa e decidiu não brincar naquele dia.

No dia seguinte, a vizinha veio até ela. Chamou no portão e, como já era o costume, foi entrando pelo quintal:


- Maria, vamos brincar. Meu pai tá lá na escada, pegando jaboticaba.

Rapidamente, a menina da franja surgiu na janela:

- Ei, quem é você?! Como você entra assim na casa de quem não conhece?!

domingo, 8 de novembro de 2009

O estraga prazeres



O Pai tinha estacionado o carro na ruazinha apertada, em frente ao salão de beleza, onde a avó fazia tintura e escova para um casamento. O pequeno ficou dentro do carro brincando com seu boneco articulado. O boneco obedecia às mais estranhas posições em que era colocado. Tinha que vencer uma batalha de morte com inimigos invisíveis, num cenário invisível:

- Barreira invisível! Puff, destruir – o menino fazia a voz do boneco, enfiando a cabeça do coitado no vidro da janela.

Aproveitou o cenário da rua para que o boneco visse o mundo do alto e finalizasse sua missão de resgate:

- Sim, comando, vejo as pessoas! Atenção poderes! Preparar...tchufff..

Do lado de fora, alguém entre o meio fio e o carro atrapalhava a visão do herói:

- Ei, assim não vale....

A visão do herói foi interrompida por um verde garrafa grudado no vidro lateral do carro. Aos poucos, o verde foi se afastando para dar lugar a uma espécie de quadrinhos, um do lado do outro. O menino interrompeu a batalha do boneco. Riu, olhou mais uma vez, gargalhou:

- Mulher pelada a hahahahahahah... Pelada com peito de fora... peladinha, com a bunda toda de fora... Que peitão a hahahahaha...

O menino ria gostosamente das coisas que não sabia bem, coisas de gente grande... de pai e mãe... que dormem no quarto de luzinha apagada... O verde garrafa do uniforme do jornaleiro mais uma vez vinha impedir a visão.

- Ei sai, eu quero ver. Eu nunca vi...

Saiu para logo depois voltar com um gancho num cabo de vassoura colhendo as revistas lá de cima.

- Ei! Vai tirar? Logo hoje que eu to aqui, isso não vale!

O menino olhou para o outro lado da rua, o pai ainda não estava vindo, tinha tempo. Grudou a cara no vidro e, olhando bem forte as revistas que iam passando pelo lado de fora, dizia em voz alta como quem quer parar o tempo:

- Mulher pelada, mulher pelada, mulher pelada, peito, peito, peito, peito, bunda, bunda, bunda, bunda...